segunda-feira, 7 de novembro de 2011

De Sá Finado

Pedro Aragão 

Outro dia, parou na janela e os vizinhos já sabiam: vai começar a cantoria. De Sá não perdoava, cantava, rasgava o gogó diariamente. Sua voz; bem, digamos que era exclusiva, exclusivamente ruim. Mas não haviam críticas que pudessem parar o galo da pensão. O adjetivo galináceo era só um exemplo de sua fama. E quando começava era o mesmo ritual, som, teste, lalalá, lá ia Joaquim de Sá entoar seu repertório vasto que passava de Jazz novaiorquino até Forró de bar. Era um rapaz normal, dormia bem, comia o necessário, futebol aos Domingos, trabalhava em uma mercearia - por isso era bem conhecido -, guardava atrás da porta seu chapéu clássico e casual - só guardava, não usava, sabe como é, status - e morava sozinho, a essa altura, o digníssimo leitor já imagina o porque. Joaquim tinha certeza de que era dotado de uma voz de veludo. Mal sabia ele, que seriam suas cordas vocais que mudariam sua vida, ou melhor sua morte. Outro dia - aquele dia, mesmo, do começo - Joaquim começara os procedimentos de sua récita. Selecionava a playlist de forma aleatória, o que viesse na cabeça, cantarolava. Começou com Bossa Nova, o dia era bonito, o sol não estava tímido, pedia alegria. Maria, sua vizinha de parede, correu atrás do tapa-ouvido. A cada verso, Joaquim tentava exprimir a emoção que sentia, e como ficava emocionado. Pelo menos, dentro dele, a música alimentava seus anseios, dúvidas, tristezas. Mas já eram onze da manhã, De Sá percebeu que a fome agora, era de comida. Tentou, sem sucesso, colocar a água pra esquentar, pois sua dispensa estava disritmada, faltavam fósforos. Foi à mercearia que trabalhava cantando Bocelli - a escolha foi temática dessa vez, iria preparar um espaguete. Fósforos comprados, e lá estava Joaquim, feliz da vida, rodopiando, se preparando para cozinhar as orelhas dos vizinhos. Ligou o rádio. Cosmic Blues no último volume pra temperar a macarronada. Quando acendeu o fósforo, boom! Seu quartinho explodira. Não sobrou um teco de Sá. A perícia informou que Joaquim esquecera o gás aberto e vazando.

N'outro dia, seu velório estava cheio, parecia um concerto. O choro era como música.

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