sábado, 4 de agosto de 2012
O Habitante de Pasárgada
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terça-feira, 17 de julho de 2012
100 Palavras
Glauber Piva
Rego
A calcinha lhe apertava a bunda, insinuante. Não gostava de calcinhas grandes, mas também não suportava as pequenininhas, com um fiozinho fininho lhe roçando o cu e arranhando a alma. Preferia as médias, que lhe davam conforto e evitavam vexames.
Não era pudica, nem vulgar. Evitava exibir o cofrinho, mas não se negava a tirar a beiradinha da calcinha que lhe entrava no rego. Empinava a bunda, erguia a perna direita, levantava o calcanhar, esticava um joelho e com o polegar e o indicador invadia a própria bunda e resgatava seu conforto. Tão prosaica. Tão deliciosa. Tão dona da situação.
Não era pudica, nem vulgar. Evitava exibir o cofrinho, mas não se negava a tirar a beiradinha da calcinha que lhe entrava no rego. Empinava a bunda, erguia a perna direita, levantava o calcanhar, esticava um joelho e com o polegar e o indicador invadia a própria bunda e resgatava seu conforto. Tão prosaica. Tão deliciosa. Tão dona da situação.
Picumã
Tratemos deste assunto sem muito pudor. Sejamos francos, dentro do possível.
O ano passado passou, o ano que vem ainda não veio e o que temos sob nossos pés é um dia caudaloso que escorrega por nossos poros e inunda nossa paciência a quase 50 graus e um bom bocado de energia dispersa.
Sejamos honestos: o ano começou quente, as promessas já agitaram o que tinham pra agitar e só temos nos bolsos o que restou de nossa boa-fé. Juntemos tudo e sigamos. Encaremos o calor, sejamos ignorantes e covardemente corajosos. Façamos da preguiça, ócio. Sem medo, força no picumã!
Tratemos deste assunto sem muito pudor. Sejamos francos, dentro do possível.
O ano passado passou, o ano que vem ainda não veio e o que temos sob nossos pés é um dia caudaloso que escorrega por nossos poros e inunda nossa paciência a quase 50 graus e um bom bocado de energia dispersa.
Sejamos honestos: o ano começou quente, as promessas já agitaram o que tinham pra agitar e só temos nos bolsos o que restou de nossa boa-fé. Juntemos tudo e sigamos. Encaremos o calor, sejamos ignorantes e covardemente corajosos. Façamos da preguiça, ócio. Sem medo, força no picumã!
Excrescência
Como diversão, imaginava filhos numa combinação higiênica de cesárea, creche, babá. Não poria as mãos nas fraldas nem nas orelhas, reservando os beijos para datas especiais e os abraços para reuniões familiares.
Sempre soube o que não queria: paternidade, matrimônio, respeitos inúteis... mas sabia aceitar a conveniência da demagogia em conversas plastificadas que exibem marcas de novela e olhares de cinema.
A vida mudou. O mundo ofereceu-se outro. Engravidou-se como se tivera pedido pizza. Casou-se como se tivera colhido virose. Reviu-se como se tivera cagado uma moita. Demorou em entender-se. Precisou de um batismo de mijo para reconhecer-se um merda.
Como diversão, imaginava filhos numa combinação higiênica de cesárea, creche, babá. Não poria as mãos nas fraldas nem nas orelhas, reservando os beijos para datas especiais e os abraços para reuniões familiares.
Sempre soube o que não queria: paternidade, matrimônio, respeitos inúteis... mas sabia aceitar a conveniência da demagogia em conversas plastificadas que exibem marcas de novela e olhares de cinema.
A vida mudou. O mundo ofereceu-se outro. Engravidou-se como se tivera pedido pizza. Casou-se como se tivera colhido virose. Reviu-se como se tivera cagado uma moita. Demorou em entender-se. Precisou de um batismo de mijo para reconhecer-se um merda.
Olhos
Viu bundas de todo tipo que nem vale nominar. Em silêncio via detalhes, inventava nomes, distribuía notas e classificações. Em casos extremos aplaudia discretamente. Assim foi compondo seu personagem.
De manhãzinha era homem de família. Saía cedo de casa, trabalhava até o dia enrubescer. À tardinha, contemplava seus desejos passeando em trajes menores. Em segredo, queria comer quase todas: “tempero de bunda é a mirada da dona”, proclamava com ar inteligente.
Todos os dias, ao voltar para casa, carregava paixões na memória: dolorosamente. Toda paixão destrói um pouco. Paixão por bunda é pior: rebaixa a estima e paralisa o olhar.
De manhãzinha era homem de família. Saía cedo de casa, trabalhava até o dia enrubescer. À tardinha, contemplava seus desejos passeando em trajes menores. Em segredo, queria comer quase todas: “tempero de bunda é a mirada da dona”, proclamava com ar inteligente.
Todos os dias, ao voltar para casa, carregava paixões na memória: dolorosamente. Toda paixão destrói um pouco. Paixão por bunda é pior: rebaixa a estima e paralisa o olhar.
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Glauber Piva
terça-feira, 5 de junho de 2012
Canhão De Canhota
Pedro Aragão
Capítulo I
Na conversa dos torcedores
Grande América 2 X 0 Flamengo-RO – 45 min. do 2º tempo
- O Wagninho? É cracaço! Cê assistiu o jogo inteiro?! Do primeiro ao último
minuto, ele fez a diferença! Deu assistência, costurou a zaga, conduziu a bola
como poucos, que classe! E o gol que ele fez, um sem pulo na entrada da
grande área!
- Dizem que outros times estão de olho nele...
- Num pode não, ele tem que ficar no nosso Américão. Um canhotinho desses
é raro hoje em dia. Já ouviu a máxima de que canhoto ou é muito bom ou
muito ruim? Então... O Wagninho é um ótimo meia-esquerda! Ele consegue
aliar força com inteligência, coisa rara e joga pela equipe. Dizem até que ele
já jogou de atacante, de lateral, de volante e acredite se quiser, de zagueiro!
Também, com a visão de jogo e a habilidade com a bola nos pés que ele tem,
parece até, que é fácil jogar bola. Mas ele num fica muito tempo, sabe como
são os times do exterior...
Capítulo II
Na cabeça do Wagninho
Grande América 0 X 0 Flamengo-RO – 23 min. do 2º tempo
“Esse jogo tá complicado, o tal do Clebinho da zaga deles é muito zica! E
esses nossos dois atacantes são muito fracos... O Geovane é lento e parece
que a bola queima no pé dele. O Paulão é rápido, mas não levanta a cabeça.
Vou resolver sozinho...”
Grande América 0 X 0 Flamengo-RO – 31 min. do 2º tempo
“Já tô cansado, vou pedir pra sair.”
Grande América 0 X 0 Flamengo-RO – 35 min. do 2º tempo
“Vou esperar esse escanteio e peço pra sair”
Grande América 1 X 0 Flamengo-RO – 36 min. do 2º tempo
“Que golaço que eu fiz! De fora da área, agora não saio mais!”
Grande América 2 X 0 Flamengo-RO – 41 min. do 2º tempo
“Goool, chupa Fla! Finalmente o Geovane entendeu a jogada! Depois desse
passe eu vou sair no jornal!”
Grande América 2 X 0 Flamengo-RO – 47 min. do 2º tempo
“Aiiii, acho que quebrou o osso!”
Capítulo Final
No jornal de esportes
Grande América 2 X 0 Flamengo-RO
O CANHÃO DO AMÉRICÃO QUEBROU O TENDÃO
Capítulo I
Na conversa dos torcedores
Grande América 2 X 0 Flamengo-RO – 45 min. do 2º tempo
- O Wagninho? É cracaço! Cê assistiu o jogo inteiro?! Do primeiro ao último
minuto, ele fez a diferença! Deu assistência, costurou a zaga, conduziu a bola
como poucos, que classe! E o gol que ele fez, um sem pulo na entrada da
grande área!
- Dizem que outros times estão de olho nele...
- Num pode não, ele tem que ficar no nosso Américão. Um canhotinho desses
é raro hoje em dia. Já ouviu a máxima de que canhoto ou é muito bom ou
muito ruim? Então... O Wagninho é um ótimo meia-esquerda! Ele consegue
aliar força com inteligência, coisa rara e joga pela equipe. Dizem até que ele
já jogou de atacante, de lateral, de volante e acredite se quiser, de zagueiro!
Também, com a visão de jogo e a habilidade com a bola nos pés que ele tem,
parece até, que é fácil jogar bola. Mas ele num fica muito tempo, sabe como
são os times do exterior...
Capítulo II
Na cabeça do Wagninho
Grande América 0 X 0 Flamengo-RO – 23 min. do 2º tempo
“Esse jogo tá complicado, o tal do Clebinho da zaga deles é muito zica! E
esses nossos dois atacantes são muito fracos... O Geovane é lento e parece
que a bola queima no pé dele. O Paulão é rápido, mas não levanta a cabeça.
Vou resolver sozinho...”
Grande América 0 X 0 Flamengo-RO – 31 min. do 2º tempo
“Já tô cansado, vou pedir pra sair.”
Grande América 0 X 0 Flamengo-RO – 35 min. do 2º tempo
“Vou esperar esse escanteio e peço pra sair”
Grande América 1 X 0 Flamengo-RO – 36 min. do 2º tempo
“Que golaço que eu fiz! De fora da área, agora não saio mais!”
Grande América 2 X 0 Flamengo-RO – 41 min. do 2º tempo
“Goool, chupa Fla! Finalmente o Geovane entendeu a jogada! Depois desse
passe eu vou sair no jornal!”
Grande América 2 X 0 Flamengo-RO – 47 min. do 2º tempo
“Aiiii, acho que quebrou o osso!”
Capítulo Final
No jornal de esportes
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O CANHÃO DO AMÉRICÃO QUEBROU O TENDÃO
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Pedro Aragão
sábado, 26 de maio de 2012
A hora em que o sino toca
- Sabe Sarah, você é a mais bonita da sala.
- Mas é como eu te disse, se você quer sonhar com alguma coisa, é só você ir dormir pensando nela o tempo todo.
Era tipo requisito. Everson era bom nisso. Buscar garota na porta da escola. No caminho de volta tentar conquistá-la. Sarah queria ser valorizada, moça nova já querendo ser consagrada. Ele, o desbravador. Ela, a terra não conquistada.
O intento renderia a ele uma maria-mole cor-de-ouro no bar mais nobre, então mais frequentado. Uma proeza para seu reinado.
Sarah fez as honras, foi diplomática. Ele foi logo mostrando seu bloco econômico e ela de cara aderiu ao livre comércio.
No dia seguinte, a primeira dama oficial esbravejou. Na casa branca, no lençol branco não, meu amor. Aquilo não era sangue de moça, Everson argumentou. Que deu um chute na parede enquanto dormia, o dedo até quebrou.
Mas no hospital, em vez de engessar, o médico sentenciou: o Sr. é HIV positivo.
Everson despertou.
- Mas é como eu te disse, se você quer sonhar com alguma coisa, é só você ir dormir pensando nela o tempo todo.
Era tipo requisito. Everson era bom nisso. Buscar garota na porta da escola. No caminho de volta tentar conquistá-la. Sarah queria ser valorizada, moça nova já querendo ser consagrada. Ele, o desbravador. Ela, a terra não conquistada.
O intento renderia a ele uma maria-mole cor-de-ouro no bar mais nobre, então mais frequentado. Uma proeza para seu reinado.
Sarah fez as honras, foi diplomática. Ele foi logo mostrando seu bloco econômico e ela de cara aderiu ao livre comércio.
No dia seguinte, a primeira dama oficial esbravejou. Na casa branca, no lençol branco não, meu amor. Aquilo não era sangue de moça, Everson argumentou. Que deu um chute na parede enquanto dormia, o dedo até quebrou.
Mas no hospital, em vez de engessar, o médico sentenciou: o Sr. é HIV positivo.
Everson despertou.
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Éder Menegassi
terça-feira, 10 de abril de 2012
Estopim da fiel
Durante a semana quase nada. Pra se aproveitarem mesmo só o fim de semana.
Só briga o fim de semana.
Ele cana. Ela dama.
Ela samba. Ele fama. Cachorro, safado, sacana.
Ele mama. Ela engana. Faz que vai mas não vai, descansa.
Ele mirabola, arquiteta, devana.
Ela desmerece, desaprova, desabona. Pra fora daqui, reclama.
Ele pela janela o barraco inflama.
Segunda-feira, o perito questiona:
Brigou com o marido?
Dotô, faltava fogo na cama...
Terça-feira, o delegado:
Tá aqui por quê, cidadão?
Dotô, pus fogo na cama!
Só briga o fim de semana.
Ele cana. Ela dama.
Ela samba. Ele fama. Cachorro, safado, sacana.
Ele mama. Ela engana. Faz que vai mas não vai, descansa.
Ele mirabola, arquiteta, devana.
Ela desmerece, desaprova, desabona. Pra fora daqui, reclama.
Ele pela janela o barraco inflama.
Segunda-feira, o perito questiona:
Brigou com o marido?
Dotô, faltava fogo na cama...
Terça-feira, o delegado:
Tá aqui por quê, cidadão?
Dotô, pus fogo na cama!
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Estopim da fiel
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Retirada de objeto
João F. Quirino
Sete meses de relacionamento intenso. Muita paixão no começo. Muitos encontros, muito contato. Muito sexo, sobretudo. Também, muito desgaste. Especialmente para ele, acostumado à liberdade. Alegou estar sufocado. Para ela, tudo aquilo era novidade; encontrava-se submissa de corpo e alma. Perdidamente entregue, envolvida pelo romance avassalador. Jamais imaginaria que ele, num ímpeto inexplicável, colocasse um ponto-final em tudo.
"Paramos para retirada de objeto dos trilhos”.
Ele olhou para o relógio e rogou praga. “Porcaria! Sempre assim: problema técnico, lentidão, atraso”. O coelho de Alice parecia gritar no seu ouvido: “Estou atrasado, estou atrasado, estou atrasaaaaado!”. Pensou pela enésima vez no telefonema da noite anterior. Ela, longe da pobre coitada de anteontem a mendigar mais uma chance, pediu-lhe um encontro usando palavras decididas e voz firme. Nos sete meses em que estiveram juntos, costumavam se encontrar na hora do almoço, sempre no restaurante a quilo próximo ao trabalho dela. Praticamente engoliam a comida e corriam para o hotelzinho ao lado, um manjado hospedeiro de prostitutas e drogaditos. Algo irrelevante frente à urgência de se amarem loucamente, ainda que por poucos minutos.
“Paramos para aguardar a movimentação do trem à frente”.
“Diabos! Vou chegar atrasado ao trabalho”, advertiu-lhe o coelho de Alice. Olhou para o casal de jovens estudantes sentado em assento preferencial – “juventude alienada!”, condenou. O garoto de brinco indígena e a menina de espinhas passageiras e beleza promissora vestiam uniformes de colégio batista e se lambuzavam numa interminável sucessão de beijos de novela – “juventude indecente!”. Para os dois, a lentidão do trem era mais que bem-vinda. Certa inveja foi inevitável, assim como o desejo de um último encontro... “Não, chega!”, determinou a si próprio. “Ordem dada, ordem cumprida!”. Até porque seria impossível: precisava retornar de imediato ao trabalho (andava mal cotado com o novo chefe) e o encontro seria em plena estação do metrô, perto das catracas. Aliás, por que ela queria vê-lo na estação do metrô? Não fazia sentido. Talvez por duvidar que seus corpos tolerassem inertes à proximidade recíproca. A sós, sem a patrulha de uma multidão, certamente não suportariam o clamor da lascívia. Ou, talvez, ela realmente almejava uma conversa somente: as últimas palavras de lamúria, as derradeiras juras de amor eterno, a finalíssima tentativa de reconciliação. Quem sabe, ainda, tencionava um grand finale colérico em que jogaria na sua cara o quão cafajeste e repugnante se revelara. A estação seria propícia a um escândalo passional. Fosse o que fosse, fizesse o que fizesse, a respeitaria, resignado.
“Os trens estão com velocidade reduzida e maior tempo de parada”.
Olhava seguidamente para o relógio ao mesmo tempo em que a voz decidida do telefonema e a voz insolente do coelho confundiam-se em sua cabeça. Ela estava eufórica com namoro, lembrou-se. Chegara a sugerir casamento, o que lhe fez concluir que as coisas haviam passado dos limites. Estranhíssimo o tom seco, quase indiferente, com que falou ao telefone – “Quero que me encontre na estação República, amanhã, às treze horas”. A voz entoou sólida, com autoridade, sem pestanejar; quem falava era uma pessoa absolutamente sabedora das suas intenções. Arguida, não deu pistas do que tencionava fazer ou mostrar. Apenas insistiu para que ele não faltasse, “custe o que custar”. Ele, acometido de um ligeiro peso de consciência, jurou que só não honraria o compromisso em caso de sequestro ou morte. Ela repetiu a última palavra – “morte” –, despediu-se com um monossilábico “tchau” e desligou. Treze horas, mesmo horário em que se encontravam no restaurante a quilo. A súbita imagem das prostitutas do hotel causou nele uma excitação jamais sentida. Por um instante, desejou que ela fosse uma daquelas prostitutas.
“Paramos para retirada de objeto dos trilhos”.
Até o casal de estudantes já se incomodava com a situação. O som de um zunido elevou-se à medida em que os passageiros multiplicavam resmungos. Ameaças de processar a companhia de metrô somaram-se às rogações para que esposas e patrões fossem indulgentes ante o atraso. Distanciado dos lábios da moça de beleza promissora, o rapaz de brinco indígena foi capaz de balbuciar algumas frases: “Já ouvi dizer que essa estória de objeto nos trilhos é lorota. Na verdade é gente que se joga, se mata. Tem suicídio à beça no metrô, sabia?”. A garota, cansada e faminta, não esboçou reação diante do mórbido relato. Ao contrário do nosso protagonista, cuja espinha gelou e o coração quase saiu pela boca. Após retomar o fôlego, olhou para o relógio em atitude mecânica, sem atentar para as horas. A fala resoluta da mulher na véspera soava como uma bomba. Afinal, o encontro na estação República passara a fazer algum sentido.
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quinta-feira, 5 de abril de 2012
Visão Perfeita
Pedro Aragão
Cara, ela me fez uma surpresa incrível!
Cara, ela me fez uma surpresa incrível!
Sério, o que foi?!
Nem dá pra descrever...
Eu sei que você consegue, conta logo, vai!
Você não vai acreditar, chega a ser até utópico, foi mais ou menos assim:
Senti falta dela e clamei Amor, onde cê tá? Preparando café respondeu com a sua voz suave. Pensei, paciência, ela já volta.
Toquei a parede rígida até chegar à janela. Escancarei aquele vão da vida pro sol entrar casado com a alegria! Nem a poluição dos sons e dos odores da cidade impediram meu plano. Ouvi as crianças da vila jogando taco e aquele cheiro da chuva de ontem.
Aos poucos, os passos compassados da minha esposa se aproximavam do quarto. Sentei na cama, ela tocou minha perna e sobrepôs a bandeja do café matinal no meu colo.
O calor do café chegou acompanhado daquele aroma único até a minha face. Cuidado com as frutas, ela advertiu. Peguei os pedaços de mamão, de melão, de manga, hmmm, todos eles, um de cada vez no meu paladar.
Eu tenho uma surpresa pra você, me falou ansiosa. Entregou-me um papel denso, mas de superfície lisa. Ela me alertou É do outro lado. Quando meus dedos sentiram as saliências de pequenos pontos eu já tinha me dado conta.
Agora olhe você com seus próprios olhos, parece coisa de outro mundo, né? Foi uma experiência em tanto pra mim! Que felicidade! O que você achou? É ou não é demais?
Que foi? Você tá muito quieto. Não entendeu? Olha de novo! Ainda não entendeu? Você não sabe o que é isso, né?! Peraí que eu vou te explicar. Eu passo a mão com calma e... Só um momento... Bom, aqui tá escrito o título, eu vou ler em voz alta:
Extra! Extra! Você tem em suas mãos o primeiro exemplar do Notícias em Braille!
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sexta-feira, 30 de março de 2012
Peito de mulher
Glauber Piva
Ao acordar, esticou a mão em busca do peito da mãe. Voltou a dormir, mas desta vez segurava o mamilo esquerdo, o mesmo que lhe era oferecido antes do outro, quando ainda mamava.
Teve um dia agitado na escola. Nada definitivo, mas bastante sério para uma criança de quase três anos: empurrões, risadaria, provocações, cumplicidade e arranhões e galos de presente. Só precisava se recuperar pr’um novo desafio: dormir e segurar um bico róseo que lhe parecia seu.
Ao final, nos resta o mesmo que precisamos no começo: carinho, um pedaço de pele e um peito de mulher só nosso.
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sábado, 25 de fevereiro de 2012
Nada a vê
Mas hoje, menina, até que eu tô animada, viu... a patroa comprou uma televisão daquelas grande, ai, é uma beleza! Ponho a tábua lá na sala e vô passando as roupa, fico a tarde inteira lá, nem vejo o tempo passar.
Cláudia respondeu dessa forma à colega de condução, a qual se queixava, no instante anterior, das adversidades que enfrentavam para chegar ao local de trabalho. Além dessa porra de ônibus lotado ainda vem essa chuva do caralho pra ajudá. Esbravejava ela num tom capaz de alcançar os ouvidos dos mais de 180 passageiros da linha 3407 Term. Pq D. Pedro, inclusive aos ouvidos dos mais sonolentos, os quais lançavam em sua direção olhares que diziam, cala a boca que eu quero dormir.
A colega absorveu todos os olhares e com eles maquinou. Numa fração de segundos, os fermentou no
caldo da suspeita e da inveja para em seguida atirá-los sobre Cláudia, como se Cláudia insinuasse levar qualquer superioridade ou vantagem daquela situação.
Não era isso, Cláudia não era assim.
Ambas perceberam que na história da amizade entre elas, que talvez começasse ali, nada mais se registraria além disso.
Pouco importava. Tão logo Cláudia chegou a essa conclusão, tratou de ir para o fundo do coletivo, já que dali a alguns pontos chegaria sua vez de desembarcar. Não ter que ir até o centro da cidade, sim, era uma vantagem. Não perderia horas no trânsito e, o melhor, conseguia ver do começo todos os programas.
A caminhada do ponto até a casa da patroa foi ansiosa. Ela tinha uma cópia da chave, foi logo entrando.
Nenhum dos moradores estava em casa, todos já haviam saído para trabalhar. Porém, qual não foi sua surpresa ao perceber que havia sobre a rack um aparelho de tv a cabo. Instintivamente Cláudia pensou, como é que eu vou limpar isto? Será que pode passar lustra-móveis?
Se preparar para fazer o serviço era um ritual e ligar a tv era o primeiro passo.
Ligou, deu tela azul. Pensou que deveria ligar o novo aparelho e o fez, mas a tela continuou melancólica. Cláudia já não sabia o que fazer e resolveu dar início à labuta.
Durante o dia, todas as suas investidas para fazer a tv funcionar restaram frustradas.
No caminho de volta, dentro do ônibus, ouviu duas outras colegas conversarem. Sabe aquelas tv a cabo, só funciona se você por no AV da televisão, o técno me explicou. Cláudia reuniu os mesmo olhares pelos quais fora atingida de manhã e disparou contra elas.
Desceu no ponto final, mas ainda conseguiu assistir todas as novelas da noite.
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Nada a vê
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Amente - A De Negação
P2A2
5 da tarde, ele é mais um covarde
Mas algum dia, também te faltou coragem
Testa franzida, ela ficou deitada
Garganta seca, disse meia palavra
Voltou no tempo, lembrou do dia inteiro
O celular vibrando, e ela no espelho
Mais uma ligação perdida
Ela já não sentia a culpa da falta... Já não sentia
Se distraía quando ela dizia do futuro seguro,
Pensou que seu presente é inseguro
Passou apuros com a moça do trampo
Insinuante mulher sem descanso, resistiu ao encanto
Enquanto ele se fazia de santo
A mina foi buscar acalanto n’outro canto
Aos prantos, a donzela não perdeu a laia
Seu refúgio foi embaixo de outra saia
Ele cansou de esperar a ligação
Decidiu encontrá-la, então, pegou busão
Ligou pro Rubião, falou da solidão
Que ele ficou na mão, que dói o coração
Ela estava em outra dimensão
Não via estrelas, ensaiava uma canção
Brincadeiras de mão em mão na mão da mão
Tesão, hormônios em ebulição
Cuzão, se fosse mais homem, reclamava
Se fosse menos homem, recuava
Mas preferia ser medíocre, sem palpite
Mas hoje não! Essa mina, vai ver o seguinte...
A porta bateu, mais forte que a alma
A mina percebeu, o mano chegava com calma
Vai embora amante, tem que ser nesse instante
A meliante tremia encostada na estante
Inconstante, mas entrou de mansinho
Viu o vulto de um corpo cruzar seu caminho
Adentrou o quarto, a expressão de cansada
Não pensou duas vezes, apontou a quadrada
Contra a própria boca, acometeu o disparo
Pra menina saiu caro
Remorso que virou um fardo
Um mano farto, furtou a própria vida no quarto
5 da tarde, ele é mais um covarde
Mas algum dia, também te faltou coragem
Testa franzida, ela ficou deitada
Garganta seca, disse meia pala...
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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Cidadão Eu
João F. Quirino
Acordo sempre no mesmo horário. Escovo os dentes e tomo o café de costume. Leio o jornal e reajo às notícias. Impiedoso, rogo pragas e penas aos culpados. Culpo a todos: policiais, estudantes e viciados, brancos e negros, presidente, ex-presidente e outro ex-presidente, ministro na berlinda, ex-ministro disso e daquilo, técnico, zagueiro e bandeirinha, evangélicos, gays e até o Papa.
Clamo pela moral e pelos bons costumes, ainda que abomine a expressão. Não concordo com a extradição de uns, lamento a expulsão de uns tantos, execro a permanência de outros. Discordo do arrocho, mas discuto com a diarista se o reajuste é acima da inflação. Culpo o governo pela corrupção, culpo a oposição pela corrupção, culpo os eleitores pela corrupção. Todos iguais, todos iguais!
Preparo-me para mais um dia de trabalho. Penteio o cabelo em estilo clássico. Uso roupas apropriadas. Vou trampar de bike, depois tomo os meus gorós. Passo o dia julgando quem atravessa meu caminho. Elejo inimigos. Transfiro inimigos à posição de amigos e vice-versa. Empunho a espada da indignação irada. Seleciono quem é “do bem” e quem é “do mal”. Sorrio ao lembrar que um dia ajudei o cego a atravessar a rua.
Alerto minha esposa sobre o recato. Tenho ciúmes às vezes, mas não aceito machismo. Sou adulto, vacinado, civilizado, cosmopolita e moderno. Adotei um poodle órfão. Jogo lixo no lixo: plástico, vidro, papel, orgânico e inorgânico. Já fui contra Belo Monte, agora não sei. Luto pelo bom senso e pelo bom gosto, jamais pelo senso comum.
Assisto aos problemas da humanidade sentado no próprio rabo. Peço menos arrogância e moralismo à medida em que me enxergo humilde e libertário. Despejo minha sabedoria no face; dependendo, vou pro blog; com preguiça, eu tuíto. Opino e participo. Denuncio a mídia sem tirar os olhos dela. Pagador de impostos, exijo respeito e serviços de qualidade. Vocifero com a atendente: amaldiçôo a musiquinha e ameaço a empresa que vendeu e não entregou.
Abro a porta e sigo a vida. Agora, sim. Sinto-me pronto para odiar os conservadores e operar a revolução.
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terça-feira, 10 de janeiro de 2012
O ponto
João F. Quirino
Por mais que esperasse, não conseguiu conter o susto quando o resultado do exame surgiu-lhe como um soco na cara. Não havia mais dúvida. A partir daquele ponto sua vida mudara para sempre. Sua vida se dividia em antes e depois daquele ponto. Logo vieram as perguntas, bem mais intensas do que nos tempos de incerteza. Como reagirão à notícia? Família, amigos, ele; sobretudo, ele. Como prosseguir com aquilo? Como não prosseguir? Que remédio senão aceitar? Pensou na dor. Imaginou o ponto em seu corpo. Um ponto em forma de célula, a se dividir, a se multiplicar, a se ampliar tornando-se outra vida dentro e distinta da sua. Uma sensação estranha de sobriedade invadiu-lhe a alma. Sim, há de ser bom. Quantas lições trará! Devo amá-lo. Haverá um espírito a animar o ponto? Conformar-se é o que resta. Eis a realidade. À luta! Afinal, é a vida...
Por mais que esperasse, não conseguiu conter o susto quando o resultado do exame surgiu-lhe como um soco na cara. Não havia mais dúvida. A partir daquele ponto sua vida mudara para sempre. Sua vida se dividia em antes e depois daquele ponto. Logo vieram as perguntas, bem mais intensas do que nos tempos de incerteza. Como reagirão à notícia? Família, amigos, ele; sobretudo, ele. Como prosseguir com aquilo? Como não prosseguir? Que remédio senão aceitar? Pensou na dor. Imaginou o ponto em seu corpo. Um ponto em forma de célula, a se dividir, a se multiplicar, a se ampliar tornando-se outra vida dentro e distinta da sua. Uma sensação estranha de sobriedade invadiu-lhe a alma. Sim, há de ser bom. Quantas lições trará! Devo amá-lo. Haverá um espírito a animar o ponto? Conformar-se é o que resta. Eis a realidade. À luta! Afinal, é a vida...
Por mais que refutasse a possibilidade, surpreendeu-lhe a calma com que escutou o diagnóstico ministrado em jargões médicos. Não havia mais dúvida. A partir daquele ponto sua vida mudara para sempre. Não gostou da imagem: o ponto a separar vida de sobrevida. Logo vieram as perguntas, bem mais intensas do que quando ainda restava a esperança de ser somente uma falsa impressão. Como reagirão à notícia? Família, amigos, ela; sobretudo, ela. Como enfrentar aquilo? Como não enfrentar? Que remédio senão aceitar? Pensou na dor. Imaginou o ponto em seu corpo. Um ponto em forma de célula, a se dividir, a se multiplicar, a se ampliar levando sua vida a um ponto-final. Uma sensação estranha de sobriedade invadiu-lhe a alma. Sim, pode haver um lado bom. Quantas lições trará! Devo amar-me. Haverá um espírito para além desse ponto? Eis a realidade. À luta. Fazer o quê? É a vida...
Como é bela a vida.
Postado por
escravos de jó
às
11:06
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