terça-feira, 17 de julho de 2012

100 Palavras

Glauber Piva



Rego

A calcinha lhe apertava a bunda, insinuante. Não gostava de calcinhas grandes, mas também não suportava as pequenininhas, com um fiozinho fininho lhe roçando o cu e arranhando a alma. Preferia as médias, que lhe davam conforto e evitavam vexames.
Não era pudica, nem vulgar. Evitava exibir o cofrinho, mas não se negava a tirar a beiradinha da calcinha que lhe entrava no rego. Empinava a bunda, erguia a perna direita, levantava o calcanhar, esticava um joelho e com o polegar e o indicador invadia a própria bunda e resgatava seu conforto. Tão prosaica. Tão deliciosa. Tão dona da situação.

Picumã

Tratemos deste assunto sem muito pudor. Sejamos francos, dentro do possível.
O ano passado passou, o ano que vem ainda não veio e o que temos sob nossos pés é um dia caudaloso que escorrega por nossos poros e inunda nossa paciência a quase 50 graus e um bom bocado de energia dispersa.
Sejamos honestos: o ano começou quente, as promessas já agitaram o que tinham pra agitar e só temos nos bolsos o que restou de nossa boa-fé. Juntemos tudo e sigamos. Encaremos o calor, sejamos ignorantes e covardemente corajosos. Façamos da preguiça, ócio. Sem medo, força no picumã!

Excrescência

Como diversão, imaginava filhos numa combinação higiênica de cesárea, creche, babá. Não poria as mãos nas fraldas nem nas orelhas, reservando os beijos para datas especiais e os abraços para reuniões familiares.
Sempre soube o que não queria: paternidade, matrimônio, respeitos inúteis... mas sabia aceitar a conveniência da demagogia em conversas plastificadas que exibem marcas de novela e olhares de cinema.
A vida mudou. O mundo ofereceu-se outro. Engravidou-se como se tivera pedido pizza. Casou-se como se tivera colhido virose. Reviu-se como se tivera cagado uma moita. Demorou em entender-se. Precisou de um batismo de mijo para reconhecer-se um merda.

Olhos

Viu bundas de todo tipo que nem vale nominar. Em silêncio via detalhes, inventava nomes, distribuía notas e classificações. Em casos extremos aplaudia discretamente. Assim foi compondo seu personagem.
De manhãzinha era homem de família. Saía cedo de casa, trabalhava até o dia enrubescer. À tardinha, contemplava seus desejos passeando em trajes menores. Em segredo, queria comer quase todas: “tempero de bunda é a mirada da dona”, proclamava com ar inteligente.
Todos os dias, ao voltar para casa, carregava paixões na memória: dolorosamente. Toda paixão destrói um pouco. Paixão por bunda é pior: rebaixa a estima e paralisa o olhar.


* Também postado em www.glauberpiva.blogspot.com

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